Como traumas alteram nosso destino genético?

Fonte

O livro “Herança” de Sharon Moalem, PhD e médico, explora como os genes mudam nossas vidas e como nossas vidas mudam nossos genes. No capítulo 3, ele discute como traumas alteram nosso destino genético. Este capítulo é a base para nosso estudo de hoje.

Entendendo a epigenética

A epigenética é o estudo de como nossos genes podem ser ativados ou desativados, influenciando sua expressão sem alterar a sequência do DNA. Embora fatores como alimentação, estresse e ambiente possam impactar esse processo, a epigenética também é uma parte natural do funcionamento do corpo, regulando o que deve ser ativado ou silenciado em diferentes fases da vida. Ou seja, não se trata de mudar os genes em si, mas de controlar como e quando eles se manifestam.

O que podemos aprender com as abelhas?


A abelha rainha e as operárias compartilham exatamente o mesmo DNA. No entanto, elas se desenvolvem de formas completamente diferentes: enquanto as operárias vivem poucas semanas, são estéreis e têm ferrões descartáveis, a rainha vive vários anos, é fértil e põe milhares de ovos. A diferença entre elas não está nos genes, mas em como esses genes são ativados — e é aí que entra a epigenética.

O papel da geleia real

As larvas que se tornarão rainhas são alimentadas exclusivamente com geleia real, uma substância produzida pelas abelhas operárias jovens. Essa alimentação rica em nutrientes atua sobre o sistema epigenético das larvas, inibindo a atividade de uma enzima chamada DNA metiltransferase. Essa enzima é responsável por adicionar grupos metil ao DNA, um processo que normalmente silencia certos genes.

Quando a DNA metiltransferase é inibida, mais genes permanecem ativos, permitindo que a larva desenvolva as características de uma rainha. Já as larvas que recebem outro tipo de alimento, como pão de abelha (uma mistura de pólen e mel), mantêm a atividade normal da enzima, o que leva ao silenciamento de genes essenciais para o desenvolvimento da rainha, por isso, tornam-se operárias.

Ou seja, o ambiente (neste caso, a dieta) regula a expressão genética, moldando o destino do indivíduo sem alterar sua sequência de DNA

O que podemos aprender com os camundongos?

Uma pesquisa com camundongos revelou que alterações na dieta das fêmeas, com a adição de nutrientes como vitamina B12 e colina, logo após a concepção, podem tornar as proles menos suscetíveis ao câncer. Isso sugere que a epigenética pode ser transmitida de forma hereditária, passando de geração em geração.


A desativação e ativação de genes podem ter efeitos benignos ou malignos, influenciando a suscetibilidade a doenças como câncer e diabetes. Em alguns casos, essas alterações podem ajudar a prevenir ou reduzir o risco de desenvolver essas doenças.


Pesquisadores da Suíça, especificamente em Zurique, investigaram se traumas da infância podem influenciar a expressão genética em camundongos. Eles separaram filhotes de suas mães por 3 horas, durante 14 dias consecutivos, e observaram que esses animais se tornaram adultos traumatizados, com dificuldades para avaliar locais potencialmente perigosos.


O mais notável é que esses camundongos passaram o trauma para suas proles, demonstrando que os efeitos do trauma podem ser transmitidos de geração em geração. É importante lembrar que temos 99% do nosso genoma parecido com o genoma de camundongos, o que sugere que os resultados dessa pesquisa podem ter implicações para a compreensão da epigenética humana.

Vamos avançar para os humanos 

Bullyng e outros traumas na expressão genética

O bullying é um tema amplamente discutido em relação aos seus efeitos psicológicos, mas será que ele também pode alterar a expressão genética? Para responder a essa pergunta, os pesquisadores realizaram um estudo com gêmeos monozigóticos (gêmeos idênticos).

O Estudo
Nenhum dos gêmeos, com 5 anos de idade, havia sofrido bullying anteriormente. No entanto, quando os garotos chegaram aos 12 anos, um deles sofreu bullying. Os pesquisadores então analisaram a expressão genética dos gêmeos e descobriram que houve uma mudança significativa na expressão genética do gêmeo que sofreu bullying.

Alterações na Expressão Genética
Especificamente, os pesquisadores encontraram uma metilação de DNA no gene SERT, que codifica uma proteína que transporta o neurotransmissor serotonina para o interior dos neurônios. Essa metilação diminuiu a expressão do SERT. Segundo o professor, “mesmo que você não lembre em detalhes os momentos em que sofreu bullying, seus genes certamente lembraram”.

Além disso, os pesquisadores descobriram que o gêmeo que sofreu bullying apresentou uma baixa produção de cortisol quando submetido a situações estressantes, como falar em público e aritmética mental. De acordo com Sharon Moalem, essa alteração é uma adaptação epigenética benéfica que ajuda a criança a sobreviver a situações de bullying constante. No entanto, se essa baixa produção de cortisol prevalecer a longo prazo, pode aumentar o risco de depressão e alcoolismo.


Esse estudo sugere que o bullying pode ter um impacto duradouro na expressão genética e no bem-estar das crianças. É fundamental abordar e prevenir o bullying para minimizar seus efeitos a longo prazo.

Ataque do 11 de setembro

Imagine estar em um dia comum, indo trabalhar ou passeando, quando de repente um avião atinge as torres diante dos seus olhos, matando milhares de pessoas. Esse evento traumático teve um impacto profundo nas pessoas que o presenciaram.

Consequências para as Mulheres Grávidas
Uma pesquisa realizada com mulheres grávidas que presenciaram o ataque mostrou que elas desenvolveram estresse pós-traumático. Mas o mais surpreendente é que esse trauma também afetou as proles dessas mulheres. Quando os filhos cresceram, os pesquisadores descobriram que eles tinham uma maior probabilidade de sentir estresse em comparação com outras pessoas.


Esse estudo sugere que os traumas podem ter um impacto duradouro na expressão genética, não apenas para as pessoas que os experimentam diretamente, mas também para as gerações futuras. Isso destaca a importância de abordar e tratar os traumas de forma eficaz, para minimizar seus efeitos a longo prazo.

Conclusão


Em resumo, de acordo com o livro, o que fazemos agora não só influencia a expressão dos nossos genes, como também a expressão dos genes da nossa prole. A epigenética mostra que nossos genes não são fixos e que podemos influenciar sua expressão através de nossas escolhas e experiências.

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