Fonte
Sharon Moalem é um PhD, médico e escritor. Em seu livro “Herança” ele mostra como os genes mudam as nossas vidas e como nossas vidas mudam os nossos genes; e no capítulo 3, nos conta como traumas alteram o nosso destino genético. Esse capítulo é fonte do nosso estudo de hoje.
Entendendo a epigenética
O que podemos aprender com as abelhas?
Todos conhecemos o trabalho revolucionário de Mendel com as ervilhas, mas para quem não sabe, ele também trabalhou com outros seres, como camundongos e até abelhas; e vamos usar as abelhas como o nosso primeiro exemplo de epigenética, mas primeiro vamos entender o que é essa tal de epigenética.
Sabemos que nossos genes são fixos, eles não vão ficar mudando de posição, não vão ficar alterando suas ordens, mas podemos ativar e desativar certos genes em decorrência das nossas condições de vida. Essa é a epigenética.
Talvez você não saiba, mas a abelha rainha é um exemplo maravilhoso sobre esse assunto, simplesmente porque ela tem o mesmo DNA que as operárias, e mesmo assim as rainhas são muito diferentes: possuem ferrões que podem ser reutilizados, podem viver por anos e conseguem pôr milhares de ovos em um dia. Por que essa diferença discrepante?

Quando está na hora de se ter uma nova rainha, algumas larvas são escolhidas a se banharem em geleia real, uma secreção rica em proteínas e aminoácidos, produzida por abelhas operárias jovens. Elas vão consumir bastante dessa geleia e a mais forte, a que assassinar todas as outras irmãs, que também acabaram de comer, será a rainha. Em poucas palavras, o que diferencia uma abelha operária de uma rainha é a alimentação.
Pesquisadores descobriram que ao desativar um código, que inclusive é compartilhado conosco, a DNA-metil-transferase, as abelhas se tornam rainhas, porém, se ao reativar em outras larvas, elas se tornam operárias, ou seja, aquela geleia serve para desativar o DNA-metil-transferase.
O que podemos aprender com os camundongos?
Em uma pesquisa com camundongos, descobriram que alterando a dieta das fêmeas, com adição de alguns nutrientes, como vitamina B12 e colina, logo após a concepção, as proles serão menos suscetíveis ao câncer, isso quer dizer que a epigenética pode ser transmitida de forma hereditária. Pode ser passada por gerações.
Essa desativação e ativação de genes, podem ser benignas ou malignas, podem te ajudar a ter câncer, diabetes e podem te ajudar a não ter câncer ou diabetes.
Vamos avançar um pouco mais agora, mas antes de chegar aos humanos, de fato, observaremos as respostas de um outro experimento com camundongos.
Pesquisadores da Suíça, mais especificamente em Zurique, tinham uma dúvida interessante: “traumas da infância influenciam na expressão genética?”. Eles separam filhotes de camundongos de suas mães, por 3 horas, em seguida, devolveram, e fizeram esse mesmo procedimento 14 dias consecutivos, ou seja, 2 semanas de eventos traumáticos no início da vida do animal. Qual resultado? Transformaram-se em adultos traumatizados, com dificuldades para avaliar locais potencialmente perigosos. simplesmente desistiam de qualquer coisa. O mais incrível disso tudo é que passaram esse trauma para suas proles. Lembre-se de uma coisa, temos 99% do nosso genoma parecido com o genoma de camundongos, então não somos tão diferentes.
Agora sim, podemos avançar para os humanos
Bullyng e outros traumas na expressão genética
Muito se discute dos efeitos psicológicos que o bullying pode causar, mas a expressão genética pode ser alterada por conta disso? Os pesquisadores tinham essa curiosidade, e assim, decidiram fazer um estudo com gêmeos monozigóticos (gêmeos idênticos). Nenhum desses gêmeos, com 5 anos de idade, haviam sofrido bullying e é claro que os pesquisadores não poderiam praticar bullying com algum deles para observar alterações na expressão genética, porém, a vida é cruel, e como sabemos, não é necessário nenhum pesquisador para que crianças sofram bullying. Quando os garotos chegaram aos 12 anos, os pesquisadores voltaram para fazer as análises, e nesse meio tempo, um dos gêmeos, como a maioria das crianças, sofreu bullying.
E sim, houve mudança na sua expressão genética. “Um gene chamado SERT, que codifica uma proteína que transporta o neurotransmissor serotonina para o interior dos neurônios, tinha uma metilação de DNA, relativamente maior em sua região promotora”. Metilação é uma forma de alteração na expressão gênica. Essa metilação tinha diminuído a expressão do SERT. O professor, em resposta a esse resultado, diz que “mesmo que você não lembre em detalhes os momentos em que sofreu bullying, seus genes certamente lembraram.”

Mas você acha mesmo que acabou? Não, jovem primata, o bullying trouxe outra consequência. Os pesquisadores queriam investigar mais, eles realmente não estavam satisfeitos, eles queriam saber mais, e assim submeteram os gêmeos a situações que geralmente nos causam um certo desconforto, como falar em público e aritmética mental, e descobriram que um dos gêmeos, o que havia sofrido bullying, apresentou uma baixa produção de cortisol. Mas por que isso aconteceu?
Preste atenção nas palavras de Sharon Moalem: “Esse ajuste é uma adaptação epigenética benéfica nessas crianças, que as auxilia a sobreviver a situações de bullying constante.” Imagine só a criança sofrendo bullying constante, seu nível de cortisol seria um problema grande, e graças essa alteração, o problema diminuiu, mas isso estamos falando como “benefício imediato”, porque se esse cortisol baixo prevalecer a longo prazo, outros problemas podem entrar em jogo, isso porque essa baixa duradoura do cortisol pode ajudar a provocar depressão e alcoolismo.
Ataque do 11 de setembro
Compreendemos que o bullying é um trauma que afeta a nossa expressão genética, mas será que outros tipos de traumas também afetam? Pense comigo: você está tranquilo em um dia comum, indo trabalhar ou passeando e aconteceu um ataque, um avião atingiu torres, bem diante dos seus olhos, matando 26 mil pessoas. É isso que aconteceu no dia 11 de setembro, em 2001, em Nova York. O ataque contra as torres gêmeas matou muita gente, e muitas pessoas presenciaram este acontecimento. Claramente isso ficou como um trauma para muitas dessas pessoas.
Uma pesquisa realizada com as mulheres gravidas que presenciaram o acontecimento, mostrou que desenvolveram estresse pós traumático, só que o verdadeiro “X” da questão é que isso afetou as proles dessas mulheres, pois a pesquisa continuou, os filhos cresceram e os pesquisadores conseguiram concluir que eles possuíam uma maior probabilidade, em comparação a outras pessoas, de sentirem estressados.
É evidente que o que você faz agora, não só influenciará a expressão dos seus genes, como influenciará a expressão dos genes da sua prole. Má alimentação, estresse, drogas, irão trazer ativação e desativação de genes, e seus filhos não estarão livre disso. O lado bom é que alimentação boa, exercícios e outros hábitos saudáveis irão beneficiar a expressão de seus genes, que consequentemente, irão beneficiar seus futuros filhos.